50 anos depois, Esporte Espetacular recorda gol contra do goleiro catarinense Valdir Appel pelo Vasco e no Maracanã

| 16 de março de 2019

Valdir Appel Valdir Appel2 Valdir50 anos de um gol contra. Vasco x Bangu no Maracanã com grande público. Valdir (Appel) catarinense de Brusque estava muito bem como titular do Vasco. E com auto-confiança em dobro, até acontecer o frango, tentando sair jogando e colocando a bola para dentro do seu próprio gol, lance que alguns goleiros já sofreram na pele. Neste domingo, na Globo.

Em um relato em sua página no Facebook, Valdir recorda muita coisa daquele fatídico 16 de março de 1969. “O dia amanheceu, no Hotel das Paineiras. O sol se infiltrou entre os black-outs da janela do meu quarto, no segundo andar. Ali, pertinho do Corcovado, o frio inibia o desejo de levantar de qualquer um, e somente depois da higiene matinal nós nos animávamos a seguir em passos lentos para o salão onde nos aguardava um café fumegante acompanhado de saborosos produtos coloniais” relembra.

A hora do jogo contra o Bandu já se aproximava: “Depois de um breve footing, nos arredores do hotel para fazer a digestão, o técnico Pinga pediu que todos descessem com as suas bagagens, às 13h30min. Na sala de reuniões, fez uma breve preleção sobre o comportamento tático que o time iria adotar. Deixou claro que nos vestiários daria os detalhes individuais. Nosso ônibus iniciou o lento processo de descida das Paineiras em direção ao Maracanã. O agito de bandeiras carregadas por alegres torcedores vestindo a camisa do Vasco, descendo dos trens da Central, dos ônibus, misturando-se aos pedestres, faziam prever um grande público para o clássico contra o Bangu.”

Sobre o jogo, Valdir jamais esquecerá dos detalhes do gol contra: “O jogo foi equilibrado até os 19 minutos, quando o goleiro Devito cometeu duas falhas consecutivas. Na primeira atrapalhou-se num cruzamento do nosso ponta direita Nado, largando a bola nos pés de Adilson que não perdoou. 1 a 0. Logo em seguida cometeu um pênalti desnecessário. Pênalti mal cobrado por Buglê que conseguiu a proeza de mandar a bola quase nas arquibancadas do Maracanã. Aos 44 minutos da primeira etapa, o centroavante adversário Dé dominou uma bola de costas para a minha baliza, entre a marca do pênalti e a risca da grande área; girou o corpo e desferiu um sem-pulo espetacular no meu canto baixo, à direita. Realizo um salto perfeito e encaixo firme a pelota”, comenta com orgulho.

Mas, o pior viria na sequência: “Deu pra ouvir o comentário zangado do Dé: “Fdp! Como é que pega uma bola dessas?!”. Um longo aplauso veio das arquibancadas. Ergui-me do gramado, com a bola nas mãos. Observei a saída da zaga e as colocações de Eberval e Silvinho, pelo setor esquerdo da minha área. O primeiro tempo estava para acabar, e decidi repor a bola nos pés do Silvinho. O braço fez a alavanca e a bola saiu forte de minhas mãos. Perdi o equilíbrio: as pontas dos meus dedos tocaram de leve a bola, que mudou sua trajetória, indo chocar-se com força no meio do poste esquerdo do meu arco, morrendo no fundo das redes. Apoiado em um dos joelhos, me senti impotente, com vontade de sair correndo pra buscar a bola, fazer voltar o lance, apagá-lo da minha mente! Silêncio total no maior estádio do mundo. Eu me senti profundamente envergonhado. Arnaldo César encerrou o primeiro tempo sem sequer dar nova saída de bola. Preparei-me para iniciar o que seria a maior travessia do Maracanã. Estava no gol, à direita da tribuna de honra, e meu vestiário estava do lado esquerdo. Aplausos tímidos da minha torcida tentavam me consolar; os colegas faziam o mesmo”.

Valdir lembra de cada detalhe, mesmo tendo já se passado meio século: “Cheguei próximo ao banco de reservas. Pinga, Evaristo Macedo, doutor Arnaldo Santiago e Carlos Alberto Parreira me aguardavam. Apressaram minha descida para o vestiário. “Espero que ninguém esteja pensando em me sacar por falta de ‘condições psicológicas’, disparei. Nos vestiários, Parreira – que também era o treinador de goleiros, tomou uma providência importante: pediu que eu fosse me refrescar, trocasse a camisa, e o acompanhasse. Enquanto os demais jogadores relaxavam em suas cadeiras e ouviam novas orientações do treinador, passei o intervalo inteiro batendo bola com Parreira.
Desta forma, ele tentava impedir que eu parasse pra pensar no desagradável episódio. Na volta pro segundo tempo, Alcir me perguntou se eu estava tão tranqüilo quanto aparentava. Respondi que estava bem e que iríamos ganhar o jogo. Já no gramado, um repórter me abordou. Colocou um fone de ouvidos em mim e me botou em contato com o goleiro Barbosa, que estava nas tribunas. Barbosa tentou me incentivar, dizendo que eu levantasse a cabeça, e que com ele havia sido pior – uma falha havia custado ao Brasil o título da Copa de 1950. Agradeci ao grande goleiro. Se bem que a última coisa em que eu estava interessado naquele momento eram comparações. Minha preocupação era fechar o gol e não permitir suspeitas sobre o meu equilíbrio emocional. Eu sabia que um segundo tempo ruim poderia significar o fim da minha carreira.
Joguei bem, mas o placar permaneceu igual. Nos vestiários, tive que dar mil entrevistas, repetindo sempre como a bola me escapara das mãos ao arremessá-la. O importante no frango é sobreviver a ele. Eu sabia que a partir daquele dia eu estaria tentando sobreviver ao pior gol da minha vida”, finalizou Valdir.

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